Pesquisar neste blogue

quinta-feira, abril 13, 2006

Processos censurantes

O que se passa com a divulgação de música na rádio, no fundo, é apenas um sinal.
Podemos entender a playlist como uma forma de censura que obriga a dizer.
Ao mesmo tempo que exclui um oceano de músicos obriga a passar ("dizer") algumas dezenas de "eleitos".
Talvez este fragmento de análise de Adriano Rodrigues seja uma boa pista para entender melhor o actual "estado da arte":

"Os processos censurantes dos regimes democráticos são muito mais variados e os seus recursos são praticamente ilimitados, graças à natureza abstracta dos seus mecanismos.

A escrita jornalística é um dos processos mais importantes da censurância, isto é, do mecanismo abstracto da censura. A sua forma estereotipada, feita de chavões pré-fabricados, de frases feitas, de minutas destinadas a servir os mais diversos usos, são alguns dos processos através dos quais se reproduzem os lugares comuns, a ideologia massificadora, a construção de uma leitura maioritária, de uma escrita conforme dos acontecimentos, da experiência, da história, proibindo outras leituras e outras escritas, que outros possíveis se exprimam e se construam. João Mendes discute no seu ensaio esta questão. Ressalta da sua reflexão que a censura não é hoje tanto a proibição de dizer o que não convém ao poder mas a obrigação de dizer e de fazer sem descanso, intermitentemente, o que é conforme ao senso comum, o que é banal e responde de perto às expectativas sociais. Ela está portanto intimamente ligada ao mito da objectividade jornalística, escrita sem sujeito, ponto cego de todas as subjectivações e conformidades. É de facto objectivo hoje tudo o que cola o mais estreitamente possível às expectativas indiscutíveis das maiorias, tudo o que as conforta nas suas crenças ingénuas.

Outro processo de censura nas sociedades democráticas consiste no mecanismo da sedução e não tanto no processo da repressão. Programando o que alicia, o que diverte, o que distrai, canalizam-se oportunamente as pulsões sempre carregadas de cargas explosivas imprevisíveis, desmobilizando-as com a cumplicidade de todos e de cada um. Há de facto uma dimensão censurante inerente à própria programação das telenovelas e dos jogos televisivos nas horas deixadas livres pelo trabalho, em que mais inquietante para o poder se apresenta a disponibilidade da maioria.

Um processo particularmente importante de censura hoje é o processo de redução de tudo e de todos às médias estatísticas das sondagens, destruindo ou pelo menos desviando o olhar de tudo o que não se configura nos espaços da maioria, eliminando como não pertinente ou pelo menos como ininteressante tudo o que não for susceptível de tratamento estatístico. Utilizando a cumplicidade das ciências humanas, este processo adquiriu foros de cientificidade e apresenta-se com naturalizado e indiscutível. Um certo saber técnico e de formação profissional serve de maneira acrítica este arsenal censurante. Basta ver como os políticos estão empenhados em desviar para estes fins os recursos disponíveis, em detrimento dos projectos de formação crítica e de investigação fundamental. Não se atrevendo a dizê-lo e invocando as mais nobres e generosas intenções, o que está ainda em jogo é de facto uma autêntica e mal disfarçada estratégia censurante."

Reflexão alargada de Adriano Duarte Rodrigues aqui.

Sem comentários: